quarta-feira, 24 de março de 2010

17/03/10 - Jantar Enogastronômico Adriano Ramos Pinto

Para um apreciador de vinhos, melhor do que a oportunidade de degustar uma quantidade razoável de rótulos de boa qualidade, só mesmo a chance de prová-los em um jantar enogastronômico, e conferir como eles se saem escoltando os mais diversos pratos.

Este jantar foi promovido pela Casa de Vinhos, de Salvador, para divulgar as novas safras de uma de suas linhas de produtos de importação própria: Os vinhos da Adriano Ramos Pinto. Realizado no restaurante da loja da Grand Cru, o evento buscou prestigiar ingredientes e receitas clássicas da culinária portuguesa em uma releitura realizada pelo Chef Vinicius Figueira. A harmonização ficou por conta do Sommelier Marcelo Santos.

Pois assim, com o intuito de conhecer novos rótulos de terras lusitanas - sobretudo do Douro, região que ainda não conheço tanto - e também de me mimar um pouco com boa comida e bebida, é claro, fui a este evento, acompanhado de minha grande amiga, a produtora cultural Valéria Silveira.

Segue abaixo o menu e os vinhos degustados, com breves comentários sobre a harmonização. As notas de degustação de cada vinho estão linkadas, é só clicar no nome:

Primeira Entrada:
Couvert de pães artesanais e caldo verde, acompanhados pelo Adriano Ramos Pinto Porto Dry White. Se não a mais exuberante, talvez a harmonização mais bem sucedida da noite.

O caldo verde bem salgado fez um contraste interessante, tendo nota também os contrastes de temperatura (caldo quente, vinho frio) e por fim a acidez do vinho ajudou com a gordura do paio, no caldo verde. A maciez do vinho também combinou com a textura aveludada do caldo.

A velha e boa cestinha de pães também foi ótima pedida, acompanhada por um azeite com ervas.

Segunda Entrada:
O bolinho de bacalhau com azeite de salsa, harmonizado com o Duas Quintas Branco 2008, talvez tenha sido a única bola REALMENTE fora da noite. Para começar, isoladamente o bolinho não estava tão bom. Muito gorduroso, podia ser mais sequinho. O azeite de salsa estava insosso, talvez por ter sido usado mais a título de decoração do que com o propósito de agregar sabor/aroma.

Na harmonização, o bolinho - feito de bacalhau que é um peixe gorduroso, e com mais gordura ainda agregada pela fritura - massacrou o vinho branco, de corpo leve e persistência ligeira. Precisava de um vinho mais untuoso.

Primeiro Prato:
Aqui está a estrela da noite! Senão na harmonização, pelo menos o prato isoladamente foi! Um bacalhau grelhado, acompnhado de confit de alho, tomate cereja, ovos de codorna e manjericão, servido com mini-batata sauté e chips de alho poró. O vinho escolhido para acompanhar foi o Duas Quintas Tinto 2006, um ótimo tinto, cuja nota de degustação vale a pena conferir.

O bacalhau estava além de qualquer comentário que eu faça aqui. Uma pedaço alto bem dourado, com sal equilibrado, levemente crocante por fora e macio por dentro. O confit mostrou uma perfeita releitura da velha e boa bacalhoada com tudo o que tem direito: Tomate, alho, cebolas, ovos e batatas. Só que em miniatura, e com sabor deliciosamente potencializado pela "confitação" (será um neologismo?). Os chips de alho poró completaram a festa agregando crocância e mais um sabor à festa.

No quesito harmonização, a despeito da qualidade do vinho, a tentativa terminou no zero a zero. Sou suspeito neste caso, e nenhum pouco português: Bacalhau é peixe, peixe branco, e se harmoniza com vinho branco. No caso, eu escolheria um branco bem estruturado.

Por outro lado, o bacalhau não atrapalhou o vinho com aquele sabor metálico característico da mistura peixe x tinto. Os dois se acompanharam, mas simplesmente não houve nenhuma sinergia. Nenhum dos dois melhorou o outro.

Segundo Prato:
Aqui residia a minha grande expectativa da noite, o arroz de pato com pancetta grelhada e cebola torrada! Harmonizado com o Ramos Pinto Collection 2006, que me pareceu um queridinho entre os rótulos de vinhos tranquilos da Adriano Ramos Pinto, e mostra um perfil pra lá de exuberante.

O arroz de pato estava bem feito, al dente, mas um detalhe, um pequeno detalhe, conseguiu matar o prato: A pancetta. Servida em quantidade maior do que devia e cortada em cubos demasiadamente grandes, ela conseguiu fazer um arroz de pato soar como o mais delicado dos pratos, e sumir no meio de tanto sal e gordura. A solução foi comer o arroz e a pancetta separadamente, uma garfada para cada uma.

O quesito harmonização por sua vez foi bem sucedido: O prato, mais pesado, pedia um vinho mais potente, e o Collection foi uma escolha mais do que adequada para segurar a gordura deste arroz de pato com pancetta.

Sobremesa:
Para fechar o jantar, Leite crème brûlée com pastéis de nata, escoltados pelo Adriano Ramos Pinto Porto 10 anos, um tawny notável.

O vinho aqui detonou o crème brûlée, mas foi bem com o pastel de nata. Ao crème brûlée faltou uma crosta caramelizada mais consistente, para fazer frente ao vinho, pois o resultado final ficou muito delicado. Também preferiria se tivessem usado raspas de laranja e não limão, no creme. Já os pasteis de nata, embora tenham combinado com o vinho, apresentaram o problema: A crosta estava mole, quebrando o contraste que deveria haver entre uma crosta crocante e o centro cremoso.

Considerações finais...
No final das contas, a despeito de todos os erros e acertos nos pratos e harmonizações, foi um evento que valeu muito a pena. É sempre interessante conhecer de forma mais intensa o trabalho de uma só vinícola, e até mesmo as discordâncias em termos de opções culinárias e enogastronômicas são muito frutíferas. No final tive a oportunidade de conversar tanto com o chef Vinícius e com o Sommelier Marcelo: Ambos muito atenciosos e abertos ao diálogo.

Nestas horas vemos que a harmonização entre vinhos e comida segue vários caminhos, todos com suas justificativas baseadas em algum cânone - seja científico, gastronômico ou cultural, como o bacalhau com vinho tinto - mas que a única forma de testar o sucesso destas experiências é a vivência, ou seja comer e beber!

Nenhum comentário:

Postar um comentário