segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Vinho do Porto da entrada à sobremesa?! SIM!

Sim, a primeira impressão de qualquer enófilo ao ouvir tal proposta é de natural espanto. E comigo não foi diferente, quando ouvi falar sobre esta possibilidade em um jantar harmonizado com o renomado sommelier português José Carlos Santanita, em abril.

Pois não é que o escanção lusitano resolveu levar a cabo o desafio? Completando a parceria na cozinha, o chef Vinícius Figueira do Bistrot Du Vin elaborou o cardápio do jantar, que aconteceu no último dia 20, e do qual tive o prazer de participar, na companhia de minha mãe.

Deixo aqui as minhas impressões sobre os pratos e as harmonizações. Depois farei postagens mais detalhadas sobre cada vinho:

Entrada: 
O jantar teve como entrada um salmão assado em papel alumínio com shimeji, tomate cereja e manteiga de garrafa com ervas. Perfeitamente executado, salmão naquele ponto tenro, levemente cru por dentro ainda. A manteiga de garrafa conferiu corpo e untuosidade ao prato, e o shimeji fechou o conjunto. Prato preferido da minha mãe no jantar.

O vinho harmonizado foi o Porto Burmester White, um porto branco com algum corpo e untuosidade, e bela acidez, que combinou com a manteiga de garrafa, e aromas a frutas brancas, em compota (damasco), amêndoas e leve floral no retro-olfato.

Entre os vinhos tranquilos, o prato precisaria de um branco mais estruturado, como um Chardonnay com algum tempo em barrica. 

1º Prato: 
O primeiro prato foi o que mais me atraiu, quando li o menu. Um polvo salteado com  muito alho, batatas ao murro e tomate confitado em azeite e alho. O prato também estava bem feito, mas acho que o polvo podia ter ficado um pouco mais macio, falha comum no preparo deste molusco. O restante estava perfeito.


O vinho escolhido para harmonizar foi o Porto Ramos Pinto Tawny, um Tawny básico, jovem, com aromas a ameixas, passas, leve especiaria e folhas de chá. Bela acidez e corpo mais leve que eu imaginava. 

O vinho casou bem com a estrutura do prato, na acidez do vinho com a do tomate, a gordura do confit e estrutura do polvo com a untuosidade da bebida. O aroma de folha de chá também combinou de forma interessante com o alecrim usado no prato. 

2º Prato:
O segundo prato foi um filé mignon au poivre com museline de mandioquinha e farofa de castanha do pará. Achei o ponto da carne um pouquinho além do que acho adequado para um filé mignon, mas ainda estava satisfatório. O poivre estava ótimo, com pimenta levemente acentuada e estrutura propositalmente mais cremosa do que o comum, devido ao vinho. A textura da farofa também estava notável, com uma crocância deliciosa.

O vinho escolhido para esta etapa foi o Ramos Pinto Reserva, e aí a coisa começou a ficar mais séria. Um Tawny cujo blend tem idade média de 6 a 7 anos em madeira. Aromas a fruta seca (ameixa, figo), ervas aromáticas, leve floral, especiarias, uma festa no nariz! Muito untuoso, perfeitamente equilibrado, persistência gigante, um leve mentolado na boca, café e notas oxidativas. 

Devido à pimenta levemente acentuada, tenho certeza que este prato casa muito melhor com o vinho do porto do que com um tinto não-fortificado, uma vez que o prato demanda um vinho estruturado, e um tinto estruturado certamente teria taninos muito perceptíveis, o que ampliaria a percepção da pimenta. O poivre mais espesso combinou com a estrutura do vinho, e o molho ajudou a acentuar a percepção dos aromas no retro-olfato. Perfeito! 

Sobremesa:
Em termos de vinhos, aqui a coisa realmente ficou muito séria. Foi servido um Burmester LBV 2005, de cor muito intensa. A intensidade se repete de forma incrível no nariz, com frutas negras, especiaria, menta, cereja, floral muito nítido no retro-olfato, e notas nítidas de madeira. Muito persistente, opulento, absurdamente concentrado, e ainda assim, não é enjoativo.

Para acompanhar, foi servido um bolo de chocolate molhado, com chantilly de pimenta, que casou muito bem com o vinho fechando a noite da melhor forma possível. 

Considerações de um comensal satisfeito...
A minha conclusão? Sim, é possível harmonizar todas as etapas de uma refeição com vinhos do porto, e muitas vezes obter resultados melhores do que com vinhos não-fortificado nos momentos mais inusitados, como foi o caso do segundo prato deste jantar.

A experiência foi inesquecível como exercício didático, mas por outro lado, não creio que seja a melhor saída harmonizar um cardápio inteiro com vinho do porto, senão com este fim de experiência exótica e de aprendizado. 

Por se tratar de uma bebida com dulçor e teor alcoólico acentuados, o vinho do porto é naturalmente mais estruturado do que um vinho seco, e demanda pratos igualmente estruturados, como foi o caso de todas as etapas da refeição.

O resultado é um jantar delicioso, mas extremamente pesado, servido com bebidas igualmente pesadas. Partes isoladamente  perfeitas, mas que ao serem ligadas se tornando uma refeição, se desequilibram pelo excesso.

Ainda assim, é uma experiência que todo enófilo deveria fazer ao menos uma vez!

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